sexta-feira, 16 de dezembro de 2022
terça-feira, 13 de dezembro de 2022
Recompensa
Recompensa
Com o sol se pondo morno às suas costas,
A nova sensação de liberdade é inebriante,
A brisa ainda quente da tarde lhe acaricia,
E o tempo parece parar nesse instante.
Ela abre os braços, saudando o crepúsculo,
E se entrega ao último impulso do balanço;
É uma vez mais aquela menina sonhadora,
Ansiando pela noite em seu lento avanço.
O alaranjado forte do longínquo horizonte
É pincelado nas nuvens em tons variados;
Os passarinhos ostentam seus últimos voos,
Ao dela se despedirem cantando extasiados.
O contexto ao redor possui uma rara beleza,
Mesmo a sombra da noite que tudo abraça;
O silencio conecta seu coração à natureza,
E a alma leve gratula o presente de graça.
As estrelas se acendem e sua mente viaja
A um passado que não fora assim tão feliz,
Mas a menina cresceu e se tornou mulher,
Optando por viver tal qual sempre quis.
Nardélio Luz
131222
domingo, 11 de dezembro de 2022
Dama da Noite
Dama da Noite
Como a própria flor homônima,
Ela se desabrocha somente a noite.
Não há muitos mais de sua espécie,
Que usa as sombras como amoite.
Seu doce e inesquecível perfume
Viaja na sutileza da brisa noturna;
Sente-se à vontade em seu domínio,
Entregue à natureza taciturna.
As poucas luzes da Rua Florida
Propiciam a camuflagem perfeita;
Um jovem macho, o infeliz da vez,
Caminha alheio à sua espreita.
No grito abafado não há agonia,
Para ele é apenas um doce sonhar,
Quando ela o abraça com ternura,
E os caninos penetram a jugular.
Não o faz por crueldade, bem sei,
Tal como não pode ver a luz do dia,
Precisa consumir a vida de outros,
Para não morrer de fome e agonia.
Nardélio Luz
111222
quarta-feira, 7 de dezembro de 2022
Beijo Eros
Beijo Eros
Como a poesia não precisa
Necessariamente ter métrica,
O beijo evidentemente também
Não precisa nenhuma estética.
Só tem que ser bem gostoso,
Com toda a volúpia da paixão;
Assim doce, quente e licoroso,
Descompassando o coração.
Também pode ser caloroso,
Aquele fagueiro beijo de amor,
Que se inicia gentil, vagaroso,
E vai ascendendo ao ardor.
Seja de uma forma ou outra,
O beijo tem que ser para valer,
Com boa vontade, com amor,
Como quando eu beijo você.
Há ainda o beijar em louvor,
E os que se dão entre gemidos;
Mas louvando ou fazendo amor,
O beijo tem que fazer sentido.
Nardélio Luz
071222
terça-feira, 29 de novembro de 2022
Amar de Novo
Amar
de Novo
Você é graciosa como uma poesia de amor.
E não falo somente de sua silhueta atraente,
Mas também de outros diversos predicados:
De todo o conjunto que mexe com a gente.
O que em princípio me atraiu, não sei dizer,
Porém me seduziu muito a sua sensibilidade;
E o que há tempos não sentia, voltei a sentir,
Agora, quanto mais sinto, mais dá vontade.
Tenho que mencionar as nossas afinidades,
Pois de formas análogas nós amamos tanto,
E o sofrimento resultante foi tão exagerado,
Que nos deixou o medo de novos encantos.
De forma parecida, nossa dor era tamanha,
Que por vezes achávamos que íamos morrer;
Mas tudo na vida passa, e o nosso bom Deus,
Apagou aquele amor para mim e para você.
Distantes, nem conhecíamos um ao outro,
E nossos pares nos causavam a mesma dor;
Porém nos livramos e, apesar da distância,
Talvez possamos viver um grande amor.
Nardélio Luz
291122
domingo, 27 de novembro de 2022
Amores Interrompidos
Amores
interrompidos
Se fosse religioso e cresse em
pecados,
Talvez até dissesse que algumas
pessoas
Merecem o inferno, por
interromperem
Casais felizes e continuarem numa
boa.
Todavia eu também teria que ser
justo,
Olhar bem lá atrás, para as coisas que
fiz,
Quando estorvei o amor de alguns casais
E impedi mais de uma pessoa de ser
feliz.
Se realmente há justiça, e creio
que sim,
Estou colhendo o plantio da minha
saga;
Se existe lei do retorno, e creio
que sim,
É aqui que se faz e aqui mesmo se
paga.
Não sou e creio que nunca fui inocente,
Egoistamente interrompi vários amores;
Mas só quando o meu foi
interrompido,
É que finalmente pude sentir as
dores.
Não me apetece nenhuma compaixão,
E remorso só sinto pelo tempo
perdido;
Até porque já colhi tudo o que
semeei,
Quando tive meu amor interrompido.
Nardélio Luz
271122
sábado, 19 de novembro de 2022
À Espera
À Espera Entre os arbustos lá fora sopra uma brisa morna,Que, vez ou outra, posso sentir adentrando a janela;Nada obstante, o clima aqui dentro da alcova umbrosaFaz-se tão gélido quanto a dolorosa ausência dela. Um fenômeno febrento faz meu corpo esqueléticoExperimentar as duas atmosferas concomitantemente;Mas, a mente exausta pela insónia, não pode distinguirQual delas está dominando o ambiente realmente. No delírio febril eu durmo e acordo, durmo e acordo,Na esperança de que seja apenas mais um sonho ruim;Contudo, infelizmente a situação não passa, nada muda,O coração sangra, a alma chora e ela não volta pra mim. Esperança tola, eu sei... Pois como ela poderia voltar,Se para o lugar onde foi não pode ter nenhuma volta?Se tivesse tal chance, ela teria cumprido o nosso pacto,E certamente noite dessas já teria batido àquela porta. A noite sem lua lá fora já libertou os seus habitantes...Desejo que adentrem a janela e findem a minha viuvez;Mas até esses ferozes seres das trevas parecem me evitar,E só me resta continuar torcendo para chegar minha vez. Nardélio Luz191122
terça-feira, 15 de novembro de 2022
Moça Bonita
Moça Bonita
Moça bonita, cujo sorriso nos cobre...
É tanta felicidade que a todos contagia;
Quando ela passa cheirando as flores...
Tudo ao redor se transforma em alegria.
― Bom dia seu Manoel! ― a voz é de anjo,
Como também os cabelos encaracolados.
E o vendeiro acena, respondendo à alegria:
― Bom dia filha! Deus esteja ao teu lado!
Até as flores trepadas na cerca de bambus,
Respondem à altura a obsequiosa donzela;
Que para à frente e simplesmente acaricia,
O orvalhado botão de uma rosa amarela.
Seus cabelos cor de ouro brilham ao sol,
Tornando a manhã ainda mais cintilante;
Todos os transeuntes sentem que seu dia,
Doravante será muito mais feliz que antes.
Nesse breve tempo o mal deixa de existir,
E tudo emerge em bondade, alegria e graça;
Que bom seria se todos fôssemos como ela,
Que esparze amor e alegria por onde passa.
Nardélio Luz
051122
sexta-feira, 11 de novembro de 2022
Desvarios
Desvarios O que fui de mim mesmo é passado,E foge a minha restrita compreensão;Tais quais estas apagadas lembranças,Que causam desmensurada apreensão. A zona limítrofe do onírico que habito,É até aonde estende a minha memória;Esta, ainda que prodigiosa, tem falhas,Para acessar e contar a velha história. Eu desconfio, inclusive e até mesmo,Que não pertençam a esta existência,Esses traços obscuros que assombram,E desafiam minha limitada sapiência. Sinto nelas algo antigo, algo ancestral,Conjeturo, aliás, o onipresente arcano;Como bálsamo para pobres faculdades,Que só pode ser encontrado no insano. Eis, então, a mim mesmo nesta hora...Gozando o séquito ignoto do medonho,Errando por ádvenas paisagens antigas,Que só podem ser miradas nos sonhos. Nardélio Luz091122
domingo, 6 de novembro de 2022
Dias Cinzentos
Dias Cinzentos
Têm dias que deveriam passar acelerados,
Ou a gente deveria atravessá-los dormindo;
Porém o tempo nesses parece virar elástico,
E nada, absolutamente nada, é bem-vindo.
Nesses dias os problemas se assoberbam,
Amplificando às proporções inimagináveis;
Nenhuma alternativa ou solução fica visível,
Nos cingindo com angústias imensuráveis.
A gente questiona o propósito de estar vivo,
Pois estarmos vivos é trabalhoso para outros;
Nenhum ser veio aqui para viver duas vidas,
Nem tampouco para carregar pesos mortos.
A angústia de incutir sofrimento a outros,
Martiriza com um futuro sem perspectivas;
Pela frente só a escuridão abraçando tudo,
E toda culpa que vem com a retrospectiva.
Não é raro alguns optarem pelo extremo,
E quem não está na pele julga aos alardes;
Porém a decisão não é para qualquer um,
Tal alternativa não é para seres covardes.
O tormento físico se mescla ao psicológico,
Não há qualquer luz na embaçada vidraça;
Tal sentimento de impotência é castrador,
O único consolo é que tudo na vida passa.
Nardélio Luz
061122
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
Aspiração
Aspiração
Doce,
bela e harmoniosa,
Com
predicados sem igual;
Ela
acende a minha energia
De
um modo bem natural.
Tem
noites que não durmo,
É
quando a psique desatina,
A
memória busca bem longe
Seu
belo sorriso de menina.
A
distância é pura tortura,
Meu
sonho é tê-la comigo,
Para
aliviar o meu coração,
Minha
fêmea, meu abrigo.
Mais
que simples mulher,
Deusa
em carne esculpida,
Obra-prima
do Cinzelador,
Musa
única de minha vida.
Ei
de tê-la comigo, pois sim
E
que que o seja por inteiro,
Serei
plenamente realizado,
De
onde estiver até janeiro.
Nardélio
Luz
260616
sábado, 22 de outubro de 2022
Nós Dois
Nós Dois
Foi gostoso acordar e ficar velando teu sono
E, ao sair, deixei sobre o travesseiro uma flor;
Dormia tão serena que não pude te acordar,
E deixei a rosa como um sinal do meu amor.
Queria te trazer o café da manhã na cama,
Você bem que merece muitos mimos assim,
Mas oportunidades para isso nunca faltam,
Como você mesma vive dizendo para mim.
De verdade, não sei se já fui tão feliz assim!
Se fui, certamente foi n’alguma vida passada,
Uma vez que nesta nada sequer se aproxima,
É nisto que penso, ao acordar de madrugada.
Sei que o dia para mim vai demorar a passar,
E estou feliz por saber que para você também;
Não vejo a hora de voltar para os teus braços,
Uma vez mais poder chamar-te de meu bem.
Falar do nosso dia, jantarzinho íntimo, vinho...
O amor e a ternura cedendo ao fogo da paixão;
Após o prazer, nossas almas leves como plumas,
Ditam as regras e o ritmo dos nossos corações.
Nardélio Luz
221022
quarta-feira, 19 de outubro de 2022
Na Roça é Assim
Na Roça é Assim...
Água do poço, só bebo inté o armoço...
Na janta é aquela engenheira especiar,
Que é só pamode o pó da garganta tirar,
E lubrificá a goela, seca dentro do pescoço.
Já no nascê do sor, nóis pega no cabo da enxada...
Os trapo que nóis veste, o suor branqueia de sar,
Na capina do fejão prantado no meio do milharar,
E de noite é truco e viola, a alegria da pionada.
Sim sinhô, a vida é dura, mais num tem nada mió
Do que vê a chuva chegano lá daqueles cafundó,
Pra dá aos bichos de bebê e fazê as pranta crecê.
É o mió chero do mundo, o chero da terra moiada...
Pamode fazê a prece, dexa a “Duas-cara” incostada,
Num ixiste vida mió, isso eu agaranto pra vosmecê.
Nardélio Luz
191022
Na janta é aquela engenheira especiar,
Que é só pamode o pó da garganta tirar,
E lubrificá a goela, seca dentro do pescoço.
Os trapo que nóis veste, o suor branqueia de sar,
Na capina do fejão prantado no meio do milharar,
E de noite é truco e viola, a alegria da pionada.
Do que vê a chuva chegano lá daqueles cafundó,
Pra dá aos bichos de bebê e fazê as pranta crecê.
Pamode fazê a prece, dexa a “Duas-cara” incostada,
Num ixiste vida mió, isso eu agaranto pra vosmecê.
191022
quarta-feira, 12 de outubro de 2022
Alma Errante
Alma Errante
Deixo a estrada me levar
Para além daquela curva,
Lá, onde a vista fica turva,
E não há mais como voltar.
Não preocupo com destino,
Ou se um dia eu vou chegar;
Não vou para nenhum lugar,
Nesse meu febril desatino.
Eu não busco nada perfeito,
Sendo eu o próprio defeito,
Porque perfeito não existe.
É lá no fim dessa estrada,
Onde não existe mais nada,
Que a alma errante insiste.
Nardélio Luz
121022
sábado, 1 de outubro de 2022
Espinhos
Espinhos
Flor solitária que adorna meu caminho,Já fazes parte desta minha difusa história;Como antes me tocaram os teus espinhos,É teu perfume que hoje toca a memória.
Se bem me lembro, eras tu a mais amada,E nem sempre viveste tão solitária assim;Até pelas místicas orquídeas era invejada,Foste a mais bela e preciosa do jardim.
Amávamo-nos com a lua por companhia,E as bênçãos do que era divino ao redor;Minha carne te despia das pétalas macias,E o vento boêmio enxugava nosso suor.
Quando era chuva, chorávamos com ela,Urros de êxtase que jamais se ouvira igual;Após o amor, um belo arco-íris de aquarela,Em uma hipnótica languidez atemporal.
Éramos, se bem me lembro, sonhadores,Por paragens tais que em nada facilitavam;Porém, embora vencêssemos os dissabores,Eram as graças que sempre nos faltavam.
Quando a fadiga por fim nos alcançou,Surgiram dúvidas inexistentes até então;Foi quando o fogo que te impelia se apagou,E o teu amor abandonou meu coração.
Longos tempos, aqueles, sem esperança,Em que apenas se ouviam meus tristes ais;Hoje, porém, só me resta a tua fragrância,E, sem espinhos, enfim descanso em paz.
Nardélio Luz271218
quarta-feira, 28 de setembro de 2022
Caminhos Cruzados
Caminhos Cruzados
Nas tardinhas,
pouco antes do lusco-fusco,
Ela se
esguelha pelo caminho assombreado;
Lampião à mão,
pouco à frente cruza o meu,
Seguindo além das
ruínas do antigo sobrado.
Uma bela moça,
dona de hábitos diferentes,
Jamais dirigiu
a palavra a quaisquer vizinhos;
Quase a compreendo,
por sermos parecidos,
Neste aspecto
peculiar de vivermos sozinhos.
Quando retorna,
já nas altas horas da noite,
Na maioria sem
lua, ainda há esse pormenor;
A sua
fisionomia está diferente, menos triste,
Sob a luz do
lampião, posso enxergar melhor.
Pelas minhas
deduções a moça é uma bruxa,
Mas verdade é
que nem toda feiticeira é má;
Queria eu não ser
covarde para segui-la, mas,
O medo me diz
que nunca mais voltaria de lá.
Qualquer noite
dessas ei de tomar a coragem
Para abordá-la,
e oferecer minha companhia;
Talvez ter seu
coração, como o meu já é dela,
E vivermos
juntos, com todo amor e magia.
Nardélio Luz
280922
quarta-feira, 21 de setembro de 2022
Lua
Lua
Lua, que entre as estrelas brilha pálida,
Iluminando os solitários e os amantes...
Cuja nudez pudica, aí do alto agasalha, o
Que hoje é lápide, e já fora vida antes.
Lua
vingativa, toda embaída em vaidade,
Que há muito tempo fora pelo Sol magoada,
O atraiçoa pela noite adentro, sem piedade,
E a eterna desforra só repousa na alvorada.
Lua, às vezes
vejo o humilhado Astro-rei,
Chorando em fogo o teu descaso, desalmada;
Por simples deslize, ancestral talvez, nem sei,
Que te enfureceu, ó altiva dama prateada.
Lua
caprichosa, dita dos boêmios e poetas,
Que na essência, a nada e ninguém pertence;
Tu que ludibrias as almas tristes e inquietas,
Em tua trama o herói nem sempre vence.
Lua, mãe dos
literários filhos da noite,
Para quem os lupinos uivam em serenata,
Que, indiferente ao açoitado ou ao açoite,
Deita aqui teus fantasmais raios de prata.
Lua, que
passeia melancólica e solitária,
Cujos matizes rasgam a lúgubre escuridão;
Sábia e vigilante anciã, a nada se compara,
Extirpe a angústia deste inquieto coração.
Nardélio F.
Luz
terça-feira, 20 de setembro de 2022
V Camp. Bras. de Bocha – 2003 – Petrópolis/RJ
V Campeonato Brasileiro de Bocha – 2003 – Petrópolis/RJ.
Nardélio Fernandes
Luz Petrópolis era realmente uma cidade linda, com suas
mansões espetaculares – várias em estilo europeu – entranhadas nas verdejantes
montanhas do Rio. A única coisa lá que não me agradou, foi o frio. Detesto
frio!
Como previsto, saímos da APARU na
terça-feira às vinte e uma horas, num ônibus emprestado da Universidade Federal
de Uberlândia. Dois motoristas se revezaram todo o tempo, de modo que o ônibus
só parou em lugares estratégicos, para as necessidades básicas do grupo. Como
algum tempo antes – numa viagem de turismo que fizemos ao Rio de Janeiro –, viajamos
pelo estado de São Paulo. Além das estradas do estado vizinho ser bem melhores
que as de Minas, a maioria das paradas possui banheiros adaptados para
deficientes – o que para muitos é imprescindível.
Já no estado do Rio, descemos a
vertiginosa Serra das Araras, deliciando-nos com a belíssima paisagem. Passamos
pela periferia da capital carioca, subimos as deslumbrantes serras que dão
acesso a Petrópolis e finalmente chegamos ao destino – quinze horas após a
partida. Apesar de bastante cansado, senti que ainda podia aguentar muita coisa
naquele dia; quinze horas sentado numa posição não foram suficientes para me
baquear. Meu corpo estava se adaptando bem às longas viagens, o que era uma
bênção para alguém meio nômade – a quem Deus tirou as pernas, mas deu rodinhas.
O SESC Nogueira é um belo clube entranhado
nas montanhas ricas em vegetação da Mata Atlântica. Assim como todas as outras
delegações, ficamos alojados no hotel do próprio clube. Todo o perímetro é
possuidor de rampas adaptadas para cadeiras de roda – o que facilitou em muito
nossa vida. Participaram do “V Campeonato Brasileiro de Bocha” um total de
quatorze delegações, vindas de várias regiões do país. Pude identificar
Curitiba e outras cidades do Paraná, Campo Grande, São Paulo, Mogi das Cruzes,
Guarujá, Uberaba, Rio de Janeiro, Petrópolis e outras. Nossa delegação foi
composta por dezesseis pessoas: seis atletas, seis apoios, a técnica, a
coordenadora da APARU e os dois motoristas. As outras delegações tinham
composição semelhante ou acima, porém, não ultrapassando dez atletas.
Ao chegarmos naquela
quarta-feira, almoçamos, descansamos cerca de hora e meia e em seguida
participamos da abertura dos jogos. Eu, Valmir – meu companheiro de equipe – e
vários atletas de outras delegações, tivemos que passar por uma classificação,
que define se o atleta está dentro dos padrões físicos exigidos para praticar o
bocha e o enquadra na classe específica.
Várias partidas foram realizadas
naquela mesma tarde, inclusive minha primeira – na qual venci sem muitas
dificuldades uma atleta de Uberaba. O Cowboy – apelido do Valmir – foi
derrotado na sua primeira participação, em decorrência do nervosismo inicial,
mas após algumas palavras de incentivo, se viu apto a continuar lutando.
O Bocha é dividido em quatro categorias: BC-1, BC-2, BC-3
e BC-4 e estas são classificadas por nível de deficiência. A BC-4 – da qual eu
e Cowboy fazemos parte – inclui os tetraplégicos que não possuem movimento de
tronco e os membros superiores são comprometidos, mas ainda conseguem lançar a
bola com a mão – com uma delas ou as duas ao mesmo tempo.
Sendo marinheiro de primeira
viagem, fiquei surpreendido com a organização e o alto nível da competição. Os
árbitros eram compostos por professores e estagiários de Educação Física da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Houve também a presença na abertura e
encerramento de membros do Comitê Para-olímpico Brasileiro, assim como outras
autoridades do esporte para-olímpico e principalmente do bocha.
Apesar de bem agasalhados, no
segundo dia de competição o frio castigou ainda mais que no primeiro. Saímos do
hotel e chegamos às quadras com os dentes cerrados e batendo queixo, ainda
assim, consegui minha segunda vitória, derrotando um atleta fortíssimo de Mogi
das Cruzes. A partida foi muito disputada e em várias jogadas arrancamos
aplausos entusiasmados de ambas as torcidas – o que faz muito bem ao ego do atleta.
O Cowboy obteve sua primeira vitória
na segunda partida, e apenas um dos atletas da APARU perdeu naquela manhã.
Estávamos indo bem.
O frio apertou ainda mais e – acreditando
não ter mais nenhuma partida naquele dia –, após o almoço no restaurante do hotel,
subi para o quarto. Entretanto, assim que Douglas – meu sobrinho e apoio – me
deixou debaixo de grossos cobertores, chegou o aviso inesperado de que eu ainda
iria competir naquela tarde. Voltei ao ginásio às pressas, quase congelando de
frio – sequela da lesão-medular severa de um tetra – e nem um copo de café
quente deu jeito nos tremores do meu corpo. O frio intenso causava espasmos nos
meus braços e isso destruiu a pouca concentração que havia conseguido naquela
última meia-hora.
Eu já estava na disputa da
medalha de prata na categoria individual BC-4 e – ainda que meu corpo estivesse
em condições normais – seria muito difícil vencer aquele adversário com oito
anos de experiência no bocha. Como se a experiência não bastasse, a deficiência
do cara não era por lesão medular, portanto, não era tão castigado pelo frio. No
mais, era da fria Curitiba e o clima de Petrópolis era como se fosse seu
habitat.
Dei o máximo e consegui complicar
um pouco a partida, mas de nada adiantou e fui derrotado. O Cowboy venceu a
outra semifinal e garantiu, ao menos, a medalha de prata para nossa equipe – o
que me deixou feliz e amenizou parte da frustração. Após minha primeira
derrota, voltei ao hotel e o frio era tanto que não deixei os cobertores nem
para descer ao restaurante. Douglas levou-me o jantar no quarto.
No terceiro e último dia de
competição, o sol despontou timidamente por trás das montanhas enevoadas da
ex-região imperial, mas, ainda assim, o vento frio enregelava a pele e não
encorajava a tirar os agasalhos. Alguns adolescentes corajosos – entre eles meu
sobrinho – se arriscaram nas águas gélidas das piscinas.
A experiência do meu adversário
dominou a partida e perdi também a medalha de bronze da categoria individual.
Ainda assim, recebi elogios dos organizadores e até de membros de outras
delegações, ao saberem que eu treinava apenas a dois meses e uma vez por semana. O quarto lugar numa
competição com atletas de tão alto nível – levando em consideração minha
inexperiência – era algo admirável segundo eles. Todos me incentivaram a
continuar e era exatamente o que pretendia fazer. Antes eu treinava pelo
exercício físico – que é quase nulo neste esporte – e oportunidade de viajar,
mas minhas prioridades mudaram ao sentir que realmente podia competir.
Nossos dois maiores candidatos a
medalhas não tiveram muita sorte. Daniele, a atleta da classe BC-3 – joga com o
auxílio de uma calha – mais forte da nossa equipe perdeu para uma garota
excepcional de São Paulo. Múcio – o BC2 que possui várias medalhas e experiência
internacional – não foi de todo mal, pois ficou com o bronze da sua classe, mas
ainda assim podia ver a decepção estampada em seu rosto.
O Cowboy foi uma das grandes
surpresas. Numa partida emocionante, em que o vimos tremer na base contra um jogador
excepcional de Mogi das Cruzes – favorito da classe BC-4 –, conquistou a
medalha de ouro. Silvia – que joga com os pés – ganhou prata por pontuação na
classe BC-1.
Ainda tinha a disputa em duplas. Eu e Cowboy superamos
equipes de peso, como a do Rio de Janeiro, e ganhamos bronze. A prata ficou com
a dupla de São Paulo e o ouro com a fortíssima dupla de Mogi das Cruzes. Em
verdade, não houve qualquer surpresa nos jogos em duplas.
Tive que estudar as principais
regras do jogo numa apostila dois dias antes da competição, mas valeu a pena o
esforço. Não posso negar que foi emocionante conquistar uma medalha – ainda que
de bronze – em um campeonato nacional com atletas de nível internacional. Foi
colossal a sensação da medalha e mesmo o quarto lugar na categoria individual representou
uma vitória bastante significativa.
A premiação foi no salão de
cerimônias do hotel, e a maior surpresa foi o terceiro lugar conquistado no
geral pela nossa equipe. O Troféu de terceiro lugar é maior e mais bonito que a
maioria dos primeiros lugares que já vi por aí e ficará na sala de troféus da
APARU, dando um lugar de destaque ao bocha – ao lado de modalidades
para-desportivas de maior expressão como o basquete, tênis de mesa, vôlei e
atletismo. Uma conquista extraordinária da turma de sequelas severas.
Após a premiação, houve baile no
salão do bar do clube, com participação da maioria dos atletas. Algumas
delegações – inclusive da nossa vizinha Uberaba – resolveram partir naquela
mesma noite. O baile foi animado por uma banda carioca – cuja escultural
vocalista cantava e encantava a todos com voz de sereia. Nunca vi tantas
pessoas dançando em cadeiras de rodas ao mesmo tempo. Quanto a mim – possuidor
de experiências amargas no quesito dança em cadeira de rodas –, optei por ficar
quieto num canto, curtindo um bom papo, merecidas cervejas e duas ou três
caipivodkas.
Na madrugada – ao fim do baile,
quando a maioria fora dormir – eu e alguns da minha equipe fomos para um
barzinho fora do clube. Uma garoa gelada caía – molhando vagarosamente tudo que
tocava –, mas o álcool presente nas minhas veias não me permitia sentir muito
frio. O bar tinha as portas fechadas e alguns elementos de aspecto estranho
vieram ao nosso encontro. Inicialmente apreensivo, tranquilizei-me ao sermos
recepcionados pela equipe de São Paulo – detentora do troféu de primeiro lugar
do campeonato. O bar estava apinhado e a fumaça no ar lembrava os saloons do velho oeste. À meia-luz, uma
pequena banda local alternava vários estilos de músicas, do pagode e sertanejo
ao rock brasileiro e internacional. Toda a equipe de São Paulo comemorava sua
grande vitória e logo fomos contagiados.
Voltamos ao hotel na alta
madrugada. Levantamos as onze, almoçamos as doze e, por volta das treze,
deixamos a bela e fria Petrópolis, rumo ao aconchegante calor de Uberlândia. Na
volta viemos pelas rodovias 040 e 262, onde pude constatar que – exceto em
alguns poucos trechos – as estradas mineiras não estavam tão ruins assim. O que
deixa muito a desejar é a falta de banheiros adaptados para deficientes nas
paradas. Encontramos adaptações mais ou menos decentes apenas em Contagem e
Luz.
Chegamos a Uberlândia por volta das quatro da matina. Na
bagagem trazíamos uma medalha de ouro, uma de prata, três de bronze, o troféu
de terceira melhor equipe do Brasil, peitos cheios de orgulho e a esperança de
um futuro de treinamentos e vitórias mais significativas. No mais, sonhar não
paga nenhum imposto... Por enquanto.
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
Pitico & Pancinha
Pitico & Pancinha
O cachorrinho é o valente e fofíssimo Pitico,
E a gatinha é a audaz e bagunceira Pancinha.
Ele possui três cores: o preto, branco e creme,
Ela é preta com caramelo, gordinha e fofinha.
Ela, desde pequenininha, é a pura rebeldia...
É só alguém tentar pegá-la e lá vem as unhas;
Mas ao pedir ração à D. Justa, é pura candura,
E é bem capaz até de aceitar outras alcunhas.
Ele, às vezes é feroz, porém cadê o tamanho?
Mais sagaz que alguns humanos, só falta falar;
Na maior parte do tempo é amigo, um amor...
É fofo e com personalidade, como não amar?
São meus amiguinhos de fato. Pitico almoça
Comigo, mas só come a carne, nada de massa!
A Pança, pra mostrar independência, só come
Carne crua, dos ratos e passarinhos que caça.
Para todos os efeitos, fingem ser opositores.
Ela tentando estapeá-lo, parecem inimigos...
Porém, se é pra dividir as rações e vigiar seu
Território, voltam a ser excelentes amigos.
Nardélio Luz
190922
Assinar:
Postagens (Atom)