No
Acampamento II
Estávamos
tão próximos que quase podia sentir seu hálito. Os olhos faiscavam na penumbra
da noite. Não pude ler nada neles, mas meus sentidos meio embotados pelo álcool
diziam que ela sentia algo também. Talvez não algo tão arrebatador quanto eu,
mas parecido.
— O que
foi? — ela tornou a abrir o sorriso.
— O que
está acontecendo conosco? — perguntei, tentando tomar coragem para beijá-la.
— Como
assim? — ela pareceu genuinamente confusa.
Caramba,
e se eu estiver enganado? E se eu avançar o sinal e acabar perdendo sua amizade?
— Não!
Não é nada!
Irritado
com minha timidez, que às vezes nem o álcool conseguia aliviar, levantei-me do
tronco antes que ela notasse minha excitação, dirigi-me rapidamente à beirada
do rio e saltei de ponta cabeça. O barranco ali tinha menos de dois metros e
não foi o impacto na água fria que me preocupou, mas um ardume repentino no
tórax.
Quando retornei
à superfície, ela estava próxima ao barranco, visivelmente irritada.
— Você está
ficando doido!?
Não
respondi, apenas virei de costas e deixei que a água turva me levasse. Sob a luz
pálida da lua notei um filete escarlate no meu peito, mas voltei a atenção para
a correnteza, que me levou até os galhos da árvore-abrigo, sob a qual montamos acampamento.
Esses pareciam tentáculos descendo do imenso tronco até tocar a água corrente.
Enquanto
subia pelo galho semi-horizontal percebi que o filete de sangue havia
aumentado, mas constatei que não era grave. Apenas algo — provavelmente um
galho solto — sob a água que arranhou meu tórax. Despejei um pouco de vodca e
senti o ardume aumentar, mas não mais que a vergonha por ter feito aquela
molecagem.
O
violão tinha cessado e as vozes afinadas de Chrystian & Ralf soavam no grande
rádio à pilha. Em meio à algazarra em volta da fagueira ouvi a vinheta “Fim de Noite” ao mesmo tempo em que ela
chegava. Após verificar que meu arranhão não era sério, aplicou-me um merecido
sermão, inclusive frisando a regra que eu mesmo havia criado no tocante a ninguém
entrar na água depois que bebesse.
— Você está
certa...
Ela estava
sempre certa! Novamente aquele sentimento confuso de não querer ficar longe e seu
perfume suave trazendo de volta a excitação que a água fria tinha aplacado.
— Por
favor, não faça mais isso! — a voz dela estava embargada.
— Não
farei. Desculpe-me!
Nardélio F. luz