terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Amor de Verão



Amor de Verão

 

Uma nuvem esconde o sol da tarde,

E ela caminha pela praia... displicente;

A espuma das ondas lambe, agradável,

Acudindo seus pés da areia ardente.

 

O vestido transparente é fustigado,

Pelo mesmo vento que o cabelo desfaz,

Libertando cachos fartos de brilho loiro,

E a minha memória, distinta e fugaz.

 

Sob as vestes leves, a seda bronzeada,

Que a noite se arrepia sobre as palhas,

Eriçando pelos, onde brotam gotículas,

E altos gemidos, cuja maresia espalha.

 

Uma canção provém dos doces lábios,

Falando da conjunção, da alma lavada;

Ambos gozamos da genuína felicidade,

Ao fazermos amor sob a lua prateada.

 

Por fim o lusco-fusco, e a abraço forte,

Sorrimos ao brindar à nossa insensatez;

Tudo que importa nesta noite de prata,

É sermos um do outro mais uma vez.

 

Nardélio Luz

281221


 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Infortúnio



Infortúnio

 

A xícara fumegante contrasta

Com a tarde fria de dezembro,

Exalando as gotículas cheirosas

Que serpenteiam pelo ar acima.

 

Instintivamente recolho os pés

Para baixo da cadeira de vergas,

Na tentativa de evitar os pingos

Da chuva fria que chora comigo.

 

Não faz muito tempo, ou talvez

Uma eternidade, ela estava aqui;

Sua delicadeza em contraste com

O rigor da rusticidade em volta.

 

Eu não sabia como alguém tão

Sensível podia amar um sujeito

Tosco como eu! Mas agradecia

Às divindades, e correspondia.

 

Agora, o mármore do epitáfio

Está cinzento como meus dias;

E no jardim seco, somente um

Lírio branco agradece à chuva.

 

Uma fusão de raiva e saudades

Faz brotar uma lágrima furtiva;

Foi numa tarde chuvosa como

Esta, que ela me foi roubada.

 

Nardélio Luz

201221


 

sábado, 18 de dezembro de 2021

Calor




Calor

 

Se falar de flor, estará falando de si mesma;

Se falar de dor, entendo que seja de saudade;

Se falar de amor, relata em detalhes nós dois;

Mas se fala de calor, acirra a minha vontade.

 

Quando nos vemos é um arroubo inevitável,

Uma ardorosa energia exacerbando o desejo,

Descargas elétricas que percorrem a espinha,

A emitir faíscas dos abraços ao longo beijo.

 

Beijo que se multiplica ante o grande fervor,

Mostrando que não passa da simples ignição,

Quando roupas cedem às carícias crescentes,

Ante o esplendor que antecede a explosão.

 

O suor seca na minha pele, nas tuas sedas,

Os braços estendidos em lânguidos abraços;

Outros beijos ardentes e uma nova ignição,

E novamente o fogo queima todo cansaço.

 

Nardélio Luz

181221

 


terça-feira, 30 de novembro de 2021

Clandestinos



Clandestinos

 

Se algum humano soubesse de nós dois,

Certamente faria o sinal da cruz e rezaria

Para todas as divindades que conhecesse,

Adiantando para quão longe se afastaria.

 

Diria de olhos arregalados e total horror,

Que nossa união é a mais pura blasfema,

Que o que vivemos é deveras inaceitável:

Eu um fantasma e você um Anjo-Fêmea.

 

Há quem afirme e jure categoricamente

Que vocês, anjos, são seres assexuados;

Porém só conta o que eu e você fazemos,

Não importa que o chamem de pecado.

 

Não obstante toda a vil incompreensão,

Há que escusarmos, já que são humanos;

Prossigamos do nosso modo, ignorando,

O que para crendices seria algo profano.

 

Na noite fazendo amor sob as estrelas,

No dia dois banjoístas com seus banjos;

Protegidos pela inocência dos que creem,

Que não existem fantasmas nem anjos.

 

Nardélio Luz

291121


sábado, 20 de novembro de 2021

Separação



Separação

 

Se ela parou de se interessar pelo que faço,

E a mim já não interessa mais o que ela faz,

É hora de soltar o que se tornou embaraço,

Posto que um ao outro não mais satisfaz.

 

Evidente que há casos e casos nesta vida,

E alguns até têm conserto, embora raros;

Mas se acharem que de fato vale a pena,

É essencial mútuos esforços pelo reparo.

 

Todavia, quando o fogo se apaga de vez,

E sobre o amor, já não há mais a certeza,

Melhor o fim antes que venha o vil ódio,

Do que lutar contra a própria natureza.

 

Dos males o menor, quando há avença,

E cada qual busca sua própria felicidade;

Pois o bom da vida é viver e deixar viver,

De preferência mantendo boa amizade.

 

Nardélio Luz

201121


 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Inesquecível



Inesquecível

 

Foi deveras maravilhoso passar um

Domingo na tua graciosa companhia;

Não poderia haver presente melhor,

Depois de mais uma madrugada fria.

 

Deleitei-me com teu sorriso franco,

Aberto e luzidio como o azul do céu;

Não experimentara tanta liberdade

Nem quando era um nômade ao léu.

 

As horas ao teu lado, sorrindo à toa,

Às margens do sussurrante ribeirão,

Consistiram numa autêntica terapia

Para a minha alma e meu coração.

 

Abaixo da amoreira tomei coragem,

A tal que sempre me faltara outrora,

E furtivamente beijei os teus lábios,

Plenos da cor e doçura das amoras.

 

Mirar o pôr do sol, ali ao teu lado,

Foi de fato uma sensação indizível;

Sentir o calor do teu corpo sedutor,

Tornou o momento inesquecível.

 

Nardélio Luz

151121


 

domingo, 14 de novembro de 2021

Entropia



Entropia

 

Quero mais é surfar no mundo como ele está,

Sem me preocupar com teorias de conspiração,

Sem neuras do que faz bem ou mal ao coração,

De preferência sem me preocupar em afundar.

 

Mas tantas coisas ruins deixam a gente doente.

A um brucutu genocida foi dado o grande poder,

Com nossa ávida nação lutando para sobreviver,

Por mais que se tente, é utópico ser indiferente.

 

Somos só gado sendo conduzidos ao matadouro

Por uma casta de poucos boiadeiros dominantes.

Somos maioria ignorante, e os poucos pensantes,

Não influenciam na espera dos anos vindouros.

 

Deus, certamente sente vergonha dos humanos;

Único animal agraciado com o dom de ponderar,

Mata o filho, o irmão, e destrói o próprio habitat,

Se encerrando no ciclo de seu próprio ego insano.

 

Quem dera um dia surgissem em paz os tais ET’s;

Viessem de um lugar onde predominasse o amor,

Nos dessem aulas de como erradicar toda a dor,

E nos ensinassem como verdadeiramente viver.

 

E aqui jaz a fria entropia: a única considerável.

Na fuga devo transitar entre realidade e ficção;

Iniciei expondo que queria surfar numa ilusão,

Mas, de fato, não consigo ser tão irresponsável

 

Nardélio Luz

111121


 

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Discernimento



Discernimento

 

Quando os gestos falam por si mesmos,

As palavras, ainda que verbosas, se tornam inúteis;

E quando os exemplos são devidamente mostrados,

Toda e qualquer palavra se torna desnecessária.

Para a maioria, falar é fácil, fazer nem tanto.

 

Creia, portanto, em quem fala menos e faz mais...

Em quem mostra feito em vez de dizer que vai fazer;

Desconfie de quem tenta te convencer a segui-lo...

E atente para o exemplo que merece ser seguido.

Pensar por conta própria é um privilégio.

 

Se for seguir, antes pondere muito a respeito...

Desconfie da eloquência de quem promete milagres;

Lembre-se que a vida precisa ser dura para ensinar,

Pois o que é fácil nos torna fracos e acomodados.

Deus te deu livre arbítrio, não creia cegamente.

 

Um animal selvagem é orientado por instintos,

Que podem até serem suprimidos pelo cativeiro,

Mas ele continua selvagem, e seus instintos latentes,

Para se manifestarem quando forem necessários.

O que é, muito dificilmente deixa de ser.

 

E, por fim, desconfie do que parece fácil demais...

Para o equilíbrio, tudo e todos possuem contrapartes,

E por mais que uma delas se destaque no proscênio,

A outra continuará existindo atrás das cortinas.

Nada que pareça fácil vale realmente a pena.

 

Nardélio Luz

091121


 

sábado, 30 de outubro de 2021

Medo



Medo

 

Entre as árvores mudas da floresta enevoada, tudo parece

Morto. Até mesmo os seres da noite ― que nessas horas tardias

Normalmente manifestam com sons fiéis suas frustrações ―

Se furtam estranhamente de tais instintos ou vontades.

 

Somente meu coração pode ser ouvido na noite anômala

(E muito alto por sinal!), numa tentativa vã de ser expelido pela

Minha escancarada boca arfante. O frio pegajoso penetra meus

Ossos e o pavor indizível que me abraça é algo indominável.

 

Mal posso crer que ainda consigo raciocinar com coerência

Suficiente para tornar infimamente inteligível essas palavras

― Que ora expresso em desvario e noutra me calo ―, com o

Medo de ser localizado sobrepujando todos os outros.

 

Porém, medo de quê? Sim, pois de quem não pode ser!

A exaustão desabilita o resto das minhas forças, enquanto

Sinto os invisíveis arbustos espinhentos rasgarem ainda mais

Minhas vestes e minha carne, já em frangalhos e sangue.

 

Por fim a profusão de gritos, silvos e agouros alcançam

Meus tímpanos de uma vez, como o estrondo de um trovão.

Meus joelhos finalmente tocam o solo e me entrego ao abraço

Gélido e pegajoso. Incônscio, rezo pela balsâmica loucura.

 

Porém, em vez do alívio da insanidade, domina o pavor

Das coisas ― mortas ou vivas ― que me cingem. E tal aflição

Leva a intuir como o sol ― filtrado pelas árvores ancestrais ―

Encontrará meu cadáver na manhã que muito ainda tarda.

 

Nardélio Luz

301021


 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Os Corvos



Os Corvos

 

E aí estão, às vezes soturnos, noutras aos gritos,

Em sua incansável vigília ao nublado firmamento;

Parecem, por vontade, corroborarem com os mitos,

Porém, com efeito, serão mesmo tão agourentos?

 

Para a maioria supersticiosa, é evidente que sim...

Não obstante, não é meu hábito cultivar crendices;

De forma que permanecem retidas dentro de mim,

Convicções, talvez ancestrais, sem disse-me-disse.

 

Mesmo porque, não vem dos corvos a minha dor...

Não vem do negror em contraste com o céu cinzento,

Tampouco do intenso grasnar horrendo e desafiador.

A minha agonia vem do abismo que jaz aqui dentro.

 

Convivo hoje com méritos dos meus próprios feitos,

Pois ao desperdiçar a minha vida cultivando a ilusão,

Dei origem a esta constrição que deprime meu peito,

E a cada dia diminui o vigor deste obscuro coração.

 

Nada tem a ver os pássaros com minha decrepitude,

Ou com esta pungente agonia disfarçada de saudade;

São somente frutos das extravagâncias da juventude:

A cobrança de toda uma vida de irresponsabilidades.

 

Mas não confunda minha arenga com autopiedade,

Não sou e não é minha intenção esparzir vitimismo;

O meu relato é um pretenso aviso a essa mocidade,

Que é no presente que se evita no futuro o abismo.

 

Nardélio Luz

281021


 

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Das Antigas



Das Antigas

 

Então... lá se foram mais de 30 anos...

Em algumas vezes parece que foi ontem,

E noutras, que percorremos os anos luz

Entre mundos diferentes e distantes...

 

No entanto, a amizade nunca morrera...

Apenas com o tempo as cinzas esfriaram;

Porém, uma vez soprado o borralho morto,

As brasas quietas outra vez se avivaram.

 

Neste presente, parecemos tão mudados,

Mas na essência continuamos todos iguais;

De forma tal a não restar nenhuma dúvida

Que as nossas condutas são atemporais.

 

Eis que esse vil tempo e a cruel distância

Utilizaram-se de argúcia para nos afastar,

Mas nem o senhor, tampouco essa senhora

Foram, de fato, capazes de nos separar.

 

Hoje, os antigos, temos muito a recordar,

E aos mais novos, mais ainda o que dizer;

Tal qual já era antes, o tempo nunca para,

E doravante há muito mais para se fazer.

 

Nardélio Luz

181021


 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Razão vs. Emoção



Razão vs. Emoção

 

É evidente que se trata de utopia, mas às vezes,

Só às vezes, eu gostaria que as coisas fossem perfeitas,

E que o mundo fosse menos complicado.

 

Que as pessoas parassem de tentar provar

O tempo todo que o que dizem é importante,

Quando em verdade o que fazem é que importa.

 

Que abrissem mão um pouco do “eu” egoísta

E valorizassem mais o nós, sem protelação,

Sem tentar apontar no outro o que não gostam em si.

 

Algumas ofensas devem ser perdoadas,

Maiormente quando são proferidas sem pensar,

No calor da infanda discussão.

 

Mas não quando essas são repetidas,

Ou acompanhadas e somadas a outras,

Com a clara intensão de ofender.

 

Pois dessa forma tais ofensas se tornam rotina,

Daí a nada se perde indubitavelmente o amor próprio,

E é fato que um ser sem autoestima se torna vegetativo.

 

Um escravo da própria covardia

Para o qual a vida deixa de fazer sentido

E o fundo do poço é o único lugar imaginável.

 

O amor não é um sentimento fácil,

Mas em verdade não é esse o problema;

Mesmo porque nada que é fácil vale a pena.

 

O amor não deveria ser tão exigente,

Ou ao menos deveria exigir o que fosse justo,

E não que amemos mais ao outro do que a nós mesmos.

 

Mesmo porque isso não é possível,

Pois somos seres dotados de autopreservação,

E por tal ensejo, a razão deve vir sempre antes da emoção.

 

Se for de outra forma,

Com o passar do tempo um culpará o outro

E a emoção doente extinguirá qualquer fagulha de razão.

 

Nardélio F. Luz

270818


 

domingo, 26 de setembro de 2021

A Música



A Música

 

Encontre-se na música. Localize-se

Naquele lugar inusitado, na hora exata,

Com aquela pessoa tão deveras especial,

Que, por mais que tenha tentado antes,

Nenhuma vez fora capaz de esquecer.

 

Abra os braços, simule o longo abraço...

Ausente-se desse insistente salão deserto,

Ignore a penumbra rubra do grande espelho.

Sinta a leveza dos acordes te conduzindo

Àquele único e magnífico momento.

 

Coincidentemente a melodia, hoje triste,

Conjecturava longas noites sem mais boleros,

Como um prenúncio do que estaria por vir.

E terá que dançar sozinha, ainda que doa,

Tal como doeu naquela noite desdita.

 

Dance, expurgue tudo que está aí dentro,

Mais do que vem fazendo todos esses anos;

Vomite para fora todo esse fel de amargura.

As lembranças doem, e também consolam,

Levando-te de volta àquele último beijo.

 

Baile, baile bem mais que naquela noite!

Esqueça por um instante que está sozinha...

Viaje na eternidade das notas e frases doces.

Só por agora o bolero voltou, esqueça a dor,

Permita que a melodia te guie no tempo.

 

Nardélio Luz

290921