Hi-Fi
Todos os dias, pontualmente as sete, dona
Silvia e dona Vilma — vizinhas há décadas — saem de suas casas com vassouras em
punho e grande empolgação para discutirem os capítulos das novelas, exibidos na
noite anterior.
A essa altura ambas já serviram o café e
despacharam os maridos para o trabalho e os filhos para a escola, estando livres
para o ritual diário de varrer as folhas das Sibipirunas da praça em frente,
que na primavera tecem um belíssimo tapete amarelo sobre o gramado e as
calçadas.
Mas naquela manhã dona Vilma se atrasou
alguns minutos e, quando saiu, encontrou dona Silvia “nos cascos”.
— O que houve, mulher? — a recém-chegada
indagou cautelosa.
— Foi o descarado do vizinho que me
faltou com respeito! — dona Silvia respondeu naquela irritadiça voz aguda. — Só
não chamei a polícia para evitar fofocas e...
— Mas, qual vizinho?
— Walter Pilico, o viúvo grisalho de Araxá, 66
anos, comerciante, cuja esposa morreu de câncer, pai de uma filha e dois filhos,
dois netos, que se mudou sozinho para a casa à esquerda da minha anteontem...
— O que aconteceu de tão grave, Criatura?
— tornou a indagar dona Vilma, já aliviada da preocupação por conhecer bem a
amiga.
— Imagina que enquanto eu a esperava, ele
saiu para pegar o jornal. Usava apenas bermudas e camiseta regatas que lhe
ressaltava a musculatura e...
— Sim, mas e daí? — a recém-chegada já
perdia a paciência.
— E daí que — a irritação de Silvia crescia
— gentilmente ofereci uma xícara de café fresquinho e ele não aceitou.
— Mas que mal há nisso?...
— “Devido à gastrite não posso aceitar o
cafezinho, mas agradeço e aceito sua senha do Wi-Fi.” — Foram essas as palavras
exatas do safado!
— E o que vem a ser Wi-Fi, Silvia?
— Não faço ideia, mas só pode ser alguma
sem-vergonhice!
Nardélio Luz