quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Submerso




Submerso


O ápice do desespero tornou irrelevante a lembrança do que e por que estava ali. Imperava, não obstante, a certeza que o ambiente e as sensações eram reais demais para estarem no onírico. Portanto, estava ferrado!

Ao recobrar a consciência me dei conta que avançava inapelavelmente para o implacável desconhecido. Estava confuso, todavia cônscio de continuar torcendo com veemência para aqueles últimos minutos passarem rápido em vez de se desdobrarem pela eternidade, como pareciam estar fazendo.

Os cabos estavam partidos e não havia energia para fazer funcionar a nau condenada. A estrutura construída para ser inquebrável estava rompida e a pressão esmagadora aumentava conforme as toneladas de aço afundavam para a intrafegável escuridão abissal.

Ouvira ou lera em algum lugar que nos momentos finais víamos toda a vida passar rapidamente diante da gente. Provavelmente isso teria sido válido como distração, um bálsamo para minha mente descrente, mas comigo não acontecera. Talvez por eu não merecer tal clemência ou ainda porque não houvesse nada que valesse a pena ser revisto.

A capacidade de raciocinar diminuía na mesma proporção que o zumbido aumentava nos meus tímpanos. Com a compressão já prestes a implodir meu crânio, a dor dilacerante permitiu duas últimas sensações que levaram a uma breve resignação, pungente e odiosa ao mesmo tempo, porém estranhamente reconfortante: a certeza de estar perante o inevitável e que deveria aguentar firme já que em minutos tudo findaria.

A única decepção foi não apagar antes de sentir os ossos se partindo com estalos macabros, rasgando tecidos e penetrando órgãos enquanto todo meu corpo se contraía sob a terrível compressão, inundando os pulmões com meu próprio sangue e expulsando meus olhos para fora das órbitas, sem nada enxergar naquela escuridão ignota.

Mas deveras pior foi descobrir que — talvez para ficar uma cicatriz na alma como lembrança da nossa passagem por aqui — os receptores de dor mantêm-se funcionais até o último lampejo da consciência.

Nardélio F. Luz

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Boa Companhia

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Boa Companhia

Eu subi lá e observei o mar.
O caminho era íngreme e as pedras escorregadias...
Mas a voz ádvena no meu íntimo insistia:
— Esforce-se um pouco mais... Vai valer a pena!
E valeu. Realmente valeu.
Finalmente cheguei ao topo, onde cresciam ralos arbustos.
Num último esforço alcancei o ponto mais alto e me sentei.
As pernas agradeceram e os arfantes pulmões também.
As gaivotas saudaram minha chegada com estranheza.
Enxuguei o suor da testa com a manga salgada da camisa.
Observei a calma do mar e deixei escapar um suspiro.
Bem a tempo, pois não muito depois o sol se foi por trás do mar...
Lá longe. Lá... bem atrás do calmo mar.
Sua despedida foi um vermelho-amarelo-alaranjado jamais visto antes.
A presença dela era maior que a das gaivotas regateiras.
E naquele lusco-fusco, falamos do mar, do sol e da vida.
Para ser totalmente honesto, eu falei... só eu falei!
Sentada ao meu lado estava a saudade, ouvindo calada.
Em todos esses anos que tingiram de lua meus cabelos,
nunca conheci melhor ouvinte.

Nardélio Luz
031218