Submerso
O ápice do
desespero tornou irrelevante a lembrança do que e por que estava ali. Imperava,
não obstante, a certeza que o ambiente e as sensações eram reais demais para
estarem no onírico. Portanto, estava ferrado!
Ao recobrar
a consciência me dei conta que avançava inapelavelmente para o implacável desconhecido.
Estava confuso, todavia cônscio de continuar torcendo com veemência para
aqueles últimos minutos passarem rápido em vez de se desdobrarem pela eternidade,
como pareciam estar fazendo.
Os cabos
estavam partidos e não havia energia para fazer funcionar a nau condenada. A estrutura
construída para ser inquebrável estava rompida e a pressão esmagadora aumentava
conforme as toneladas de aço afundavam para a intrafegável escuridão abissal.
Ouvira ou
lera em algum lugar que nos momentos finais víamos toda a vida passar
rapidamente diante da gente. Provavelmente isso teria sido válido como
distração, um bálsamo para minha mente descrente, mas comigo não acontecera.
Talvez por eu não merecer tal clemência ou ainda porque não houvesse nada que
valesse a pena ser revisto.
A capacidade
de raciocinar diminuía na mesma proporção que o zumbido aumentava nos meus tímpanos.
Com a compressão já prestes a implodir meu crânio, a dor dilacerante permitiu
duas últimas sensações que levaram a uma breve resignação, pungente e odiosa ao
mesmo tempo, porém estranhamente reconfortante: a certeza de estar perante o
inevitável e que deveria aguentar firme já que em minutos tudo findaria.
A única
decepção foi não apagar antes de sentir os ossos se partindo com estalos
macabros, rasgando tecidos e penetrando órgãos enquanto todo meu corpo se
contraía sob a terrível compressão, inundando os pulmões com meu próprio sangue
e expulsando meus olhos para fora das órbitas, sem nada enxergar naquela
escuridão ignota.
Mas deveras pior
foi descobrir que — talvez para ficar uma cicatriz na alma como lembrança da
nossa passagem por aqui — os receptores de dor mantêm-se funcionais até o
último lampejo da consciência.
Nardélio F. Luz