Velha
Infância
Antes eram minhas irmãs com as
brincadeiras na rua
E, por mais que eu chorasse a nossa mãe
não permitia
Que, eu, reles moleque minúsculo, saísse depois
da lua.
Caramba, como eu sofria! Parecia a pior
dor do mundo,
E jurava para o pijama que quando
crescesse, por mais
Que a mãe sofresse, não obedeceria nem um
segundo.
Desde que aprendi a ler, foi meu amor à
primeira vista,
Mas odiava a cartilha da escola e uma tal
“Onça Gabola”;
Meu vício era os gibis de heróis, que
chamava de revistas.
Batman foi o meu primeiro e o Super-Homem
o segundo;
A Mulher Maravilha, Flash, Aquaman, os
Super Gêmeos,
E todos os Superamigos, na missão de
salvar o mundo.
Tinham também os hilários, não havia
qualquer bronca,
Fosse do Gato Félix, Abbott &
Costello ou Recruta Zero,
Eu lia todos os títulos, de Disney até a
turma da Mônica.
Mas em verdade, os de super-heróis eram os
preferidos,
Pois me via na pele do Batman, com a máscara
pavorosa
E as botas especiais de meias: era o
terror dos bandidos.
Qualquer espaço vazio visualizava um
campo de futebol,
Convocava a molecada nos dias que não
tínhamos aulas,
E lá estávamos com as enxadas,
trabalhando de sol a sol.
Dedos quebrados e unhas arrancadas era
parte da rotina,
Não ligávamos para as raízes nem pontas
de toco na terra
E qualquer um que chorasse, nós taxávamos
de menina.
As fogueiras nas calçadas de terra
marcavam a reunião
E entre batatas e milhos roubados,
assando nas brasas,
Borrávamo-nos de medo dos “causos” de
assombração.
Os velocíssimos patinetes, vulgos
carrinhos de rolimãs,
Que, à noite, sob as luzes dos postes,
riscavam a calçada
Da igrejinha bem cuidada, amofinando as pobres
irmãs.
Das latas de bolas de gude que chamávamos
de bilocas,
Enterradas em esconderijos secretos, sabidos
por todos,
Fossem sob o alicerce da casa ou nas
moitas de tabocas.
Das pipas e papagaios multicores que subiam
ao espaço,
Venciam aqueles que, como eu, tinham o
melhor cerol,
Cortando todas as linhas com o máximo
estardalhaço.
Meu irmão, pouco menor, era meu dever protegê-lo,
Me seguia por onde eu ia, fazendo tudo o que
eu fazia,
E mesmo quando brigávamos, não perdíamos
tal zelo.
Minha incansável mãe trabalhava por nós
dia e noite;
Eu, com minhas estripulias, apanhava quase
todo dia,
Mas era muito raro um dia, que não
merecia o açoite.
Todo sábado tinha Lassie, Zorro e Tarzan
na televisão,
Reuníamos na bondosa vizinha, que tinha
tal aparelho,
E como éramos pura terra, acomodávamos ali
no chão.
Depois dos filmes, uma matinha era a nossa
selva ideal;
E por hoje não sei de onde tirei esta
vertigem de altura,
Pois saltava entre as árvores com
agilidade sem igual.
Balançar em cipós, futebol na rua, caronas
de trem,
Caverna no barranco, casa na árvore, nadar
nos rios,
Salve a latinha, polícia e ladrão... tinha
isso também.
Quão privilégio crescer naquele tempo tão
divertido!
Violência não existia, exceto as poucas
brigas de rua;
E como foi delicioso meu primeiro beijo
escondido!
Como é gostoso recortar este período do
passado,
No qual para se ter brinquedos, exigia
criatividade,
Quase nada vinha pronto e fazíamos de bom
grado.
Porém um dia a gente cresce e tudo fica à
distância,
Feliz de quem aproveita os seus tempos de
criança,
Pois depois só o que resta é a saudade da
infância.
Nardélio Luz