sábado, 30 de outubro de 2021

Medo



Medo

 

Entre as árvores mudas da floresta enevoada, tudo parece

Morto. Até mesmo os seres da noite ― que nessas horas tardias

Normalmente manifestam com sons fiéis suas frustrações ―

Se furtam estranhamente de tais instintos ou vontades.

 

Somente meu coração pode ser ouvido na noite anômala

(E muito alto por sinal!), numa tentativa vã de ser expelido pela

Minha escancarada boca arfante. O frio pegajoso penetra meus

Ossos e o pavor indizível que me abraça é algo indominável.

 

Mal posso crer que ainda consigo raciocinar com coerência

Suficiente para tornar infimamente inteligível essas palavras

― Que ora expresso em desvario e noutra me calo ―, com o

Medo de ser localizado sobrepujando todos os outros.

 

Porém, medo de quê? Sim, pois de quem não pode ser!

A exaustão desabilita o resto das minhas forças, enquanto

Sinto os invisíveis arbustos espinhentos rasgarem ainda mais

Minhas vestes e minha carne, já em frangalhos e sangue.

 

Por fim a profusão de gritos, silvos e agouros alcançam

Meus tímpanos de uma vez, como o estrondo de um trovão.

Meus joelhos finalmente tocam o solo e me entrego ao abraço

Gélido e pegajoso. Incônscio, rezo pela balsâmica loucura.

 

Porém, em vez do alívio da insanidade, domina o pavor

Das coisas ― mortas ou vivas ― que me cingem. E tal aflição

Leva a intuir como o sol ― filtrado pelas árvores ancestrais ―

Encontrará meu cadáver na manhã que muito ainda tarda.

 

Nardélio Luz

301021


 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Os Corvos



Os Corvos

 

E aí estão, às vezes soturnos, noutras aos gritos,

Em sua incansável vigília ao nublado firmamento;

Parecem, por vontade, corroborarem com os mitos,

Porém, com efeito, serão mesmo tão agourentos?

 

Para a maioria supersticiosa, é evidente que sim...

Não obstante, não é meu hábito cultivar crendices;

De forma que permanecem retidas dentro de mim,

Convicções, talvez ancestrais, sem disse-me-disse.

 

Mesmo porque, não vem dos corvos a minha dor...

Não vem do negror em contraste com o céu cinzento,

Tampouco do intenso grasnar horrendo e desafiador.

A minha agonia vem do abismo que jaz aqui dentro.

 

Convivo hoje com méritos dos meus próprios feitos,

Pois ao desperdiçar a minha vida cultivando a ilusão,

Dei origem a esta constrição que deprime meu peito,

E a cada dia diminui o vigor deste obscuro coração.

 

Nada tem a ver os pássaros com minha decrepitude,

Ou com esta pungente agonia disfarçada de saudade;

São somente frutos das extravagâncias da juventude:

A cobrança de toda uma vida de irresponsabilidades.

 

Mas não confunda minha arenga com autopiedade,

Não sou e não é minha intenção esparzir vitimismo;

O meu relato é um pretenso aviso a essa mocidade,

Que é no presente que se evita no futuro o abismo.

 

Nardélio Luz

281021


 

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Das Antigas



Das Antigas

 

Então... lá se foram mais de 30 anos...

Em algumas vezes parece que foi ontem,

E noutras, que percorremos os anos luz

Entre mundos diferentes e distantes...

 

No entanto, a amizade nunca morrera...

Apenas com o tempo as cinzas esfriaram;

Porém, uma vez soprado o borralho morto,

As brasas quietas outra vez se avivaram.

 

Neste presente, parecemos tão mudados,

Mas na essência continuamos todos iguais;

De forma tal a não restar nenhuma dúvida

Que as nossas condutas são atemporais.

 

Eis que esse vil tempo e a cruel distância

Utilizaram-se de argúcia para nos afastar,

Mas nem o senhor, tampouco essa senhora

Foram, de fato, capazes de nos separar.

 

Hoje, os antigos, temos muito a recordar,

E aos mais novos, mais ainda o que dizer;

Tal qual já era antes, o tempo nunca para,

E doravante há muito mais para se fazer.

 

Nardélio Luz

181021


 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Razão vs. Emoção



Razão vs. Emoção

 

É evidente que se trata de utopia, mas às vezes,

Só às vezes, eu gostaria que as coisas fossem perfeitas,

E que o mundo fosse menos complicado.

 

Que as pessoas parassem de tentar provar

O tempo todo que o que dizem é importante,

Quando em verdade o que fazem é que importa.

 

Que abrissem mão um pouco do “eu” egoísta

E valorizassem mais o nós, sem protelação,

Sem tentar apontar no outro o que não gostam em si.

 

Algumas ofensas devem ser perdoadas,

Maiormente quando são proferidas sem pensar,

No calor da infanda discussão.

 

Mas não quando essas são repetidas,

Ou acompanhadas e somadas a outras,

Com a clara intensão de ofender.

 

Pois dessa forma tais ofensas se tornam rotina,

Daí a nada se perde indubitavelmente o amor próprio,

E é fato que um ser sem autoestima se torna vegetativo.

 

Um escravo da própria covardia

Para o qual a vida deixa de fazer sentido

E o fundo do poço é o único lugar imaginável.

 

O amor não é um sentimento fácil,

Mas em verdade não é esse o problema;

Mesmo porque nada que é fácil vale a pena.

 

O amor não deveria ser tão exigente,

Ou ao menos deveria exigir o que fosse justo,

E não que amemos mais ao outro do que a nós mesmos.

 

Mesmo porque isso não é possível,

Pois somos seres dotados de autopreservação,

E por tal ensejo, a razão deve vir sempre antes da emoção.

 

Se for de outra forma,

Com o passar do tempo um culpará o outro

E a emoção doente extinguirá qualquer fagulha de razão.

 

Nardélio F. Luz

270818