domingo, 11 de dezembro de 2016

No Acampamento II



No Acampamento II

Estávamos tão próximos que quase podia sentir seu hálito. Os olhos faiscavam na penumbra da noite. Não pude ler nada neles, mas meus sentidos meio embotados pelo álcool diziam que ela sentia algo também. Talvez não algo tão arrebatador quanto eu, mas parecido.
— O que foi? — ela tornou a abrir o sorriso.
— O que está acontecendo conosco? — perguntei, tentando tomar coragem para beijá-la.
— Como assim? — ela pareceu genuinamente confusa.
Caramba, e se eu estiver enganado? E se eu avançar o sinal e acabar perdendo sua amizade?
— Não! Não é nada!
Irritado com minha timidez, que às vezes nem o álcool conseguia aliviar, levantei-me do tronco antes que ela notasse minha excitação, dirigi-me rapidamente à beirada do rio e saltei de ponta cabeça. O barranco ali tinha menos de dois metros e não foi o impacto na água fria que me preocupou, mas um ardume repentino no tórax.
Quando retornei à superfície, ela estava próxima ao barranco, visivelmente irritada.
— Você está ficando doido!?
Não respondi, apenas virei de costas e deixei que a água turva me levasse. Sob a luz pálida da lua notei um filete escarlate no meu peito, mas voltei a atenção para a correnteza, que me levou até os galhos da árvore-abrigo, sob a qual montamos acampamento. Esses pareciam tentáculos descendo do imenso tronco até tocar a água corrente.
Enquanto subia pelo galho semi-horizontal percebi que o filete de sangue havia aumentado, mas constatei que não era grave. Apenas algo — provavelmente um galho solto — sob a água que arranhou meu tórax. Despejei um pouco de vodca e senti o ardume aumentar, mas não mais que a vergonha por ter feito aquela molecagem.
O violão tinha cessado e as vozes afinadas de Chrystian & Ralf soavam no grande rádio à pilha. Em meio à algazarra em volta da fagueira ouvi a vinheta “Fim de Noite” ao mesmo tempo em que ela chegava. Após verificar que meu arranhão não era sério, aplicou-me um merecido sermão, inclusive frisando a regra que eu mesmo havia criado no tocante a ninguém entrar na água depois que bebesse.
— Você está certa...
Ela estava sempre certa! Novamente aquele sentimento confuso de não querer ficar longe e seu perfume suave trazendo de volta a excitação que a água fria tinha aplacado.
— Por favor, não faça mais isso! — a voz dela estava embargada.
— Não farei. Desculpe-me!

Nardélio F. luz