sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Flagelo


Flagelo

 

Eu a observava quase flutuando sobre a relva...

tais quais os onipresentes capuchos brancos

que gentilmente lhe faziam companhia,

vagando no céu azul da manhã morna.

 

O ar esparzia perfumes diferentes, exóticos,

e chegavam aos meus ouvidos descansados

os guturais versos das lampeiras gaivotas, que

estranhamente pareciam recitar Baudelaire.

 

O suave toque umedecido da maresia

trazia ligeiro conforto à minha pele quente

e um forte contentamento por estar perto do mar...

aquela sensação de fazer parte do mar.

 

Porém um vento súbito fustigou a relva alta ao redor,

chicoteando inclemente meu semblante surpreso,

tais quais os longos e suados cabelos dela

nas nossas noites de sôfrego arrebatamento.

 

O aguaceiro chegou repentino como a desdita...

não houve tempo para reagir... só para gritar...

enquanto trovões zombavam da minha impotência,

gargalhando do meu inútil prélio interior.

 

Arrastada para longe, ela não mais flutuava...

o céu azul se tornara escuro e bravio... o penhasco...

e num último vislumbre um raio feriu severamente

as trevas vingativas que nos flagelavam.

 

Nardélio Luz

200121


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Os Últimos Seis


 

Os Últimos Seis

 

Nicolas reinicia a projeção holográfica. O silêncio sepulcral permite aos seis tripulantes da Estação Espacial Internacional (EEI) ouvirem suas próprias respirações, enquanto observam pela terceira vez a mancha vermelha iniciar-se na Amazônia e se espalhar por todo o globo terrestre. Abaixo um contador digital para no número 28.

Aliens malditos! Só precisaram de 28 dias para dizimar oito bilhões de pessoas! — a médica chinesa perde sua calma habitual.

— Calma Nai-jian! — pondera tristemente o engenheiro brasileiro.

Em seguida ele desvia o olhar para os outros astronautas, fixando–o na bela Noreen. Dava-se bem com todos, mas se descobrira apaixonado pela astrofísica norte-americana e a ideia de repovoar o planeta com ela muito lhe agradava. Quando a crise começou ele fora tomado pela raiva devido àquela merda toda ter iniciado na base de pesquisas dos EUA na Amazônia, mas seu lado racional se aliara ao desejo secreto em defesa da moça. Ela não tinha culpa de seus compatriotas meterem o nariz em tudo. Tampouco esses a tinham, já que também foram marionetes dos alienígenas.

— Não podemos ser os únicos sobreviventes! — manifesta-se Nikolic, em apoio à colega chinesa. — O Kremlin e a maioria dos governos do mundo possuem bunkers antinucleares de alta tecnologia e...

— Camarada Nikolic — interrompe Nassaar —, nenhuma tecnologia terrestre é páreo para esses seres! Segundo os instrumentos de Norah não há sobreviventes.

— Nassaar está correto — a norueguesa especialista em robótica confirma friamente sob o olhar irado do biólogo russo. — O campo de força alienígena protegeu sua nave, a EEI e alguns satélites, mas o planeta foi varrido pelos vírus e pulsos eletromagnéticos. O que escapou ao vírus orgânico sucumbiu asfixiado nos complexos subterrâneos e subaquáticos.

A loiríssima Norah na maior parte do tempo é fria como gelo, mas embora todos ali sejam PhD nas suas respectivas áreas, gostara da sugestão de Nicolas para abrirem mão das formalidades.

Os alienígenas, que os humanos chamam de “Sombrios”, são silenciosos e usam telepatia para estudar os cérebros primitivos, mas tal recurso é uma via de mão dupla e foi desse modo que o sexteto soube de sua missão. A visão de outros mundos, com seres de diversas aparências e estágios evolucionários, nos quais o sistema tinha sido implantado, era algo extraordinário. Mas aquele fardo seria pesado demais para pessoas comuns, então os Sombrios selecionaram e influenciaram telepaticamente os seis que melhor preenchiam os requisitos genéticos, físicos e psíquicos, de forma que estarem isolados naquele local e tempo não era aleatório.

Nassaar era o único que possuía laços religiosos, mas a crença caíra perante tais portentos. Embora aterrorizado, como geneticista ficara fascinado pelo domínio alienígena da manipulação de DNA e soube que a consanguinidade não seria problema para os descendentes dos seis. Embora pudessem manusear a vida in vitro, os Sombrios escolheram lhes presentear com noções jamais sonhadas e permitir que propagassem a espécie naturalmente.

A internet, ondas de rádio e redes de energia espalharam o vírus tecnológico por todo o planeta antes dos pulsos eletromagnéticos varrerem toda a tecnologia, mas fora o vírus orgânico que deixara os cientistas incrédulos. Seu DNA alienígena fora programado para contagiar apenas humanos, preservando toda e qualquer outra forma de vida no planeta. O contágio se deu pelo ar e fora assintomático durante um tempo, para que fosse transportado aos lugares mais remotos do globo.

Quatro meses se passaram desde a aniquilação. Receberam todas as instruções e equipamentos, é chegada a hora. O timer da câmara criogênica abrirá automaticamente em 500 anos, quando a natureza já tiver se recuperado da degradação humana. Nesse interim estímulos cerebrais tornarão os seis mais evoluídos para sobreviverem à nova realidade. São a última chance da humanidade e se repetirem os erros de seus antepassados, a raça será extinta.

— O que está fazendo aqui? — indagou Noreen, sonolenta.

Nicolas observa a jovem em trajes de dormir e pensa que ela nem se dá conta da própria sensualidade. Possuindo-a agora, terá belos sonhos nos próximos 500 anos.

— Não Nicolas! O que está fazendo? — os protestos verbais são paralelos às tentativas de rechaçar o engenheiro.

— Vamos doçura, eu sei que você também me quer! — suas mãos parecem tentáculos a explorar o corpo esguio.

— Nãoooo!!! Eu e Nassaar...

O protesto é enérgico e traz à tona uma ira que nem os testes sombrios haviam detectado naquele homem. Quase rosnando, ele a cala com a própria boca enquanto as mãos rasgam as sedas. Sem forças, Noreen morde o lábio inferior do algoz, arrancando sangue e um urro de dor. O impacto do soco é a última coisa que ela sente antes de desfalecer.

— Cadela! Trocou-me por aquele árabe magrelo, mas será minha de qualquer jeito!

Dentro da cabeça irada soa um pensamento dos Sombrios. Algo a ver com arrependimento... Escolha errada...

— Vocês não podem me impedir, demônios malditos! — grita sobre o corpo inconsciente. — Em meio milênio não estarão aqui e serei o único capaz de pilotar o módulo que levará seus bichinhos de estimação de volta a Terra!

Noreen sente dores nas partes íntimas, seios e rosto. Tentara disfarçar com maquiagem, mas precisou de uma boa mentira para justificar o inchaço. A dor psíquica é indizivelmente pior que a física, mas vingará aquela atrocidade quando acordar dali a meio milênio, tão logo o maldito aterrisse o módulo no planeta. Algo pior que a morte o fará se arrepender daquela noite! Sem se importar com os aliens asquerosos monitorando seus pensamentos, ensaia um sorriso amargo enquanto a gosma criogênica cobre sua nudez ferida.

Noutra órbita, algo parecido com tristeza preenche a inteligência coletiva oriunda de outra galáxia.

Nardélio F. Luz

domingo, 24 de janeiro de 2021

Rosa Branca



Rosa Branca

 

Nas madrugadas frias de solidão,

A minha alma tem buscado a tua;

Geralmente eu bato no teu portão,

E fico a observar as luzes da rua.

 

A chuva despenca de mansinho,

E permaneço mudo, à sua espera,

Então que ouço bem devagarinho,

O conhecido ranger da tua janela.

 

Estou ciente que prefere o calor,

Mas mesmo assim, a janela abriu,

Em testemunho de que esse amor,

Ofusca até mesmo o próprio frio.

 

Belíssima, apoiou-te no peitoril,

A alvura realçada pela luz da rua;

Antepus meu sorriso mais gentil,

Para ovar tua silhueta seminua.

 

Ao teu convite adentro o jardim,

De imediato esqueço tudo lá fora;

Desliza ao chão tua seda carmim,

E somos flagrados pela aurora.

 

O sol beija o meu rosto de leve,

E encontro-me de novo sozinho;

Mas outra noite cairá em breve,

E de novo será meu teu carinho.

 

Nardélio Luz

180121


 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Intuição



Intuição

 

Durante o dia é banal disfarçar,

Contudo, quando retorna a noite,

É que despertam para machucar,

As vontades na forma de açoite.

 

Se a ti facultasse também sentir,

Tão forte quanto minha saudade,

Correria sem demora para mim,

E provaria da minha fidelidade.

 

Mas são laivos de outro tempo,

Só a forte noção que me invade,

Muito aquém do que me lembro,

Meios que vêm de outra idade.

 

Não é simples de se conceber,

E pode até achar que sou louco;

Eu mesmo não posso entender,

Ou sequer explicar, tampouco.

 

Mas peço que confie em mim,

E neste meu sentimento voraz,

Pois que esta vontade sem fim,

Somente o teu amor satisfaz.

 

Nardélio Luz

160121


 

sábado, 16 de janeiro de 2021

O Quanto Eu Gosto de Você

  

O Quanto Eu Gosto de Você?

 

Pense em tudo de belo que já viu

e em tudo de bom que já sentiu...

Pense na calmaria do anoitecer

e no despertar do amanhecer...

Pense na constância das marés

e nas ondas beijando seus pés...

No que conhece e desconhece

e naquilo que jamais esquece...

Pense em tudo que mais gosta,

transforme em sentimentos

e terá sua resposta.

 

Nardélio F. Luz

150121