quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Entediado



Entediado
 
A fome e o enfado são incômodos crescentes;
Na verdade, muito mais o enfado do que a fome.
Estou cansado de insistir em uma causa perdida
E poupar seres que não merecem meu respeito.
 
As pedras mudas dessas frias paredes milenares
Atestam meu esforço para continuar nas sombras
E não me alimentar das criaturas vis do vilarejo,
Que nem sequer fazem ideia da minha existência.
 
Se ao mesmo desconfiassem que ainda existo,
Certamente não dormiriam, tampouco sonhariam;
Suas noites seriam assoladas por negros pesadelos
Ou vigílias intermináveis, de forcados em punhos.
 
Escolhi abdicar da nutricional dieta humana
Para me alimentar dos pequenos filhos da noite.
Seres inocentes, vivos, que sangram e sentem dor;
É indecente acreditar que possuam menor valor.
 
Seu sangue doce não possui o azedume humano,
Então pode ser a hora de voltar a me nutrir do mal.
Preciso cessar esta protelação e tomar uma decisão:
Retornar à antiga dieta ou morrer de inanição?
 
A voz doce de Piaff me faz bem enquanto espero.
Da janela mais alta, observo a mortalha de trevas
Cobrindo aos poucos a floresta e o vilarejo além.
É chegada a hora de quebrar o silencio da noite.
 
Nardélio Luz

071223

 

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