Viagem
Noutra
noite pensei estar sonhando que dançava com um anjo em forma humana. E conforme
a dança transladava entre as músicas lentas — cada qual mais bela que a
antecessora —, eu me inebriava com o perfume suave que exalava da pele morena —
cujos pelinhos eriçados naquele pescoço próximo traduziam emoções tão
arrebatadoras quanto as minhas; eu afastava o rosto para mirar o castanho mais
escuro que os meus daqueles olhos conhecidos — em sua noite mais brilhante até
então —, e a feminilidade dela parecia se precipitar em cascatas; os lábios
entreabertos esboçavam um leve sorriso — num convite para o qual palavras eram
obsoletas. Para qualquer observador curioso — totalmente irrelevante ao nosso
mundo particular —, nossos corpos pareciam um só, no embalo suave da melodia. E,
sem que qualquer mortal percebesse, nossas almas — abraçadas tais quais os
corpos — regozijavam aquela congregação há muito aguardada. O salão apinhado
havia se tornado uma praia deserta e tudo mais ao redor era irrelevante. Mas, então,
o tique-taque do relógio na parede me fez desconfiar do sonho e, ao abrir os
olhos, apesar da escuridão dominante notei que estava acordado. Era apenas
minha portentosa imaginação em mais uma de suas prodigiosas viagens ao passado,
alentada por lembranças que o tempo e o espaço falharam na incumbência de
desfazer. E que bom que até esses senhores falham!
Nardélio
Luz
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