sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Viagem



Viagem


Noutra noite pensei estar sonhando que dançava com um anjo em forma humana. E conforme a dança transladava entre as músicas lentas — cada qual mais bela que a antecessora —, eu me inebriava com o perfume suave que exalava da pele morena — cujos pelinhos eriçados naquele pescoço próximo traduziam emoções tão arrebatadoras quanto as minhas; eu afastava o rosto para mirar o castanho mais escuro que os meus daqueles olhos conhecidos — em sua noite mais brilhante até então , e a feminilidade dela parecia se precipitar em cascatas; os lábios entreabertos esboçavam um leve sorriso — num convite para o qual palavras eram obsoletas. Para qualquer observador curioso — totalmente irrelevante ao nosso mundo particular —, nossos corpos pareciam um só, no embalo suave da melodia. E, sem que qualquer mortal percebesse, nossas almas — abraçadas tais quais os corpos — regozijavam aquela congregação há muito aguardada. O salão apinhado havia se tornado uma praia deserta e tudo mais ao redor era irrelevante. Mas, então, o tique-taque do relógio na parede me fez desconfiar do sonho e, ao abrir os olhos, apesar da escuridão dominante notei que estava acordado. Era apenas minha portentosa imaginação em mais uma de suas prodigiosas viagens ao passado, alentada por lembranças que o tempo e o espaço falharam na incumbência de desfazer. E que bom que até esses senhores falham!


Nardélio Luz

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