Decrepitude
Ela dança como o vento, em suaves torvelinhos.
O rodopio da silhueta esguia dentro da veste leve
A realça entre os desfalecidos raios do sol poente
Que penetram as imensas janelas envidraçadas.
Nas cortinas em v de uma ventana semiaberta,
Posso divisar a brisa adentrando o amplo recinto,
Trazendo em si os suaves aromas de rosas e lírios.
Há muitos perfumes e cores no ar de setembro!
Recostado na carcomida poltrona de camurça,
Fecho os olhos na intenção de admirar o jardim
Que ela cultivara em seus tempos de esplendor,
Antes da ciência que esses lhe seriam furtados.
Uma vez mais é preciso cerrar os olhos fundos,
Para escorraçar as lágrimas furtivas e teimosas
Que, à minha revelia, pirraçam em embaçá-los.
Nem o lamento acata a vontade de um velho!
Embora contemple longos períodos de lucidez,
Já não tenho confiança nas minhas faculdades;
Somente os livros e uma severa formação cristã
Me fazem persistir nesta condição de semivivo.
Sem qualquer destreza me levanto do assento
E manquitolo até uma das janelas semiabertas.
Já há tempos não tenho criados para fechá-las,
Tampouco para cuidar da minha decrepitude.
A noite caiu e aperto os olhos para enxergar
Os arbustos escuros que um dia foram jardim;
O vestido leve se tornara uma negra mortalha
E da escuridão lá fora ela chama por mim.
As flamas das velas bruxuleiam no castiçal
E a bengala soa espectral ao tocar o assoalho.
Não existem cores nem alegrias na alcova fria,
Apenas os odores nauseosos de bolor e morte.
Novo acesso de tosse sacode minha carcaça,
Um pouco mais violento que seus antecessores.
As sombras se esgueiram acima do leito vazio
E uma vez mais me deito esperando por ela.
Nardélio
Luz
110920