quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Nebulosidade Interior

https://pixabay.com/
Por uma benção de Deus, que segundo as mais fervorosas crenças criou e permite a constante evolução da natureza, todos os dias e as noites nascem e caem distintos. E isso não é apenas um milagre, mas acima de tudo um presente. Há aqueles dias em que mesmo claros, parecem cinzentos, que mesmo ensolarados, parecem tempestuosos; e quando olhamos o sol e ainda assim continuamos sentindo a escuridão é que percebemos: não é o dia, não são os elementos... A ausência de luz seja dia seja noite, em verdade está em nós mesmos, no nosso coração constringido, na nossa personalidade carcomida, no nosso interior nebuloso e na nossa alma obscura.

Não sabemos de fato a causa... Se é a consciência nos acusando das "cagadas" que já fizemos no passado, para as quais não há conserto; se remorso inconsciente por algo que o consciente fez questão de apagar; se pelo irresponsável que bebeu em excesso e fez sofrer nosso ente querido, e, descerebrado, ainda se julga certo por estar "vivendo" a própria vida; se pelo arrependimento e vergonha de nós mesmos já termos feito coisa parecida; se pela falta em alguns de uma coisa antiga e já quase caída no esquecimento chamada vergonha na cara, que acaba prejudicando outros; se de pena pelo estúpido que ameaçou saltar da torre porque a irmã batalhadora, que não tem culpa por ter um imbecil na família, lhe negou dinheiro; se pelo deprimido que é infeliz por nunca assumir e tentar corrigir os próprios erros; se pelo retardado que fala pelos cotovelos sem olhar para o próprio rabo; o pessimista que amanhece e anoitece proferindo e esparzindo a negatividade; se por ouvir incessantemente o egocêntrico que se sente fracassado pedindo a morte, enquanto o enfermo luta bravamente para manter a vida; se pela própria insensibilidade ao eliminado com cinco tiros, que você julga merecedor por se tratar de um traficante que ceifara vidas anteriormente; se devido ao corrupto preso que você sabe que não permanecerá, e todos os que merecem o cárcere e permanecem intocáveis; se pela inércia de quem pode resolver ou mesmo fazer a diferença; se pela agonia dos que tem vontade, mas são limitados; se devido aos terremotos que matam milhares e, você, já tão vacinado contra os noticiários — mórbidos prazeres da mídia — que quase não se sensibiliza e apenas dá graças por ter ocorrido longe; se pela decepção da descoberta da maior das máscaras, que de repente cai e mostra a verdadeira face; o doente que não aceita a doença e recusa o tratamento, escondendo-se da realidade; o doente que aceita a doença, mas não tem condições de se tratar; se por ouvir os gemidos sem nada poder fazer para ajudar, enquanto os que podem nada fazem; pelo testemunho do sofrimento e a oração para Deus conceder o alívio necessário, enquanto os entes que pouco frequentam imploram pela recuperação milagrosa; sentir culpa por sentir alívio enquanto outros choram, ao saber que apesar do pranto um tormento cessou; pelo lixo que emporcalha e sufoca o mundo, produzido indiscriminadamente cada vez mais; se pela incapacidade de reação do acomodado; a apatia da humanidade como gado sendo conduzido ao matadouro; talvez pelo sentimento de fracasso antes mesmo de se tentar; ou a perspectiva de um futuro sem perspectiva para os que ainda estão por vir...

Nesses dias a tristeza se faz soberana e tenta nos arrastar para as profundezas, de onde poucas chances temos de retornar. É então que se faz evidente a distinção entre os homens tanto quanto é entre os dias — excetuando que os dias, mesmo aqueles sem sol, irradiam beleza pela própria distinção. Nós humanos, por outro lado, somos seres egoístas e hipocondríacos, de forma que tanto decepcionamos quanto somos decepcionados, mas é sempre mais cômodo enxergar e acreditar no segundo fato. 

Alguns, encerrados em sua própria natureza obscura e fragilidade de caráter se deixam arrastar para infindáveis abismos de vícios e jamais retornam. Outros se perdem, mas são resgatados pelo amor dos próximos e a própria força de vontade. Há aqueles que permanecem acomodados, permitindo que a vida passe sem qualquer reconhecimento da dádiva que ela é. Os que praticam o mal. Os que praticam o bem. Os que tanto faz. E assim o leque se abre infinitamente... 

Há, contudo, o momento da constatação para todos. E a partir desse, o ser faz suas escolhas e, claro, ciente ou inconscientemente, começa a arcar com as consequências, sejam elas positivas ou negativas. "Por que se preocupa? haverá risos após a dor..., Haverá a luz do sol após a chuva..., Essas coisas sempre foram iguais..., Então, por que se preocupa agora?" Cito esse refrão desde a inesquecível década de 1980, quando Mark Knopfler teve a felicidade de escrevê-lo, e nunca se encaixou tão bem quanto no tema em questão. Ou seja, se para haver equilíbrio entre o caos e a ordem, todas as coisas do universo possuem sua contraparte — luz e trevas, bem e mal, peso e leveza, preto e branco, Deus e o diabo etc. —, por que se preocupar com as coisas ruins se paralelamente vem acontecendo outras boas, em medida equivalente? Não é mais inteligente desviarmos os olhos do próprio umbigo e das dores e prestarmos maior atenção às alegrias ao redor? Quantas cores! Quanto perfume! Quantos sabores! Quantas sensações! Quanta vida!!!

O acaso não se furta em dar sua contribuição ocasionalmente, mas somos nós que escolhemos entre aceitar seus desígnios ou escrevermos nosso destino. Precisamos abrir o leque..., observarmos as constantes transformações da natureza e tudo que ela nos oferece e/ou nos possibilita..., atentarmos para as coisas pequenas e realmente importantes. É fato que tudo nesta vida, seja bom ou ruim, um dia passa; por que, então, não termos paciência com as ruins e, não apenas reconhecer e enxergar, mas verdadeiramente valorizarmos as coisas boas? Afinal, ainda que venham outras no futuro, as atuais terão se tornado passado e jamais retornarão. E nós, o que fizemos com elas? Será que ao menos notamos sua existência? A mudança para melhor, em que precisamos exorcizar velhos fantasmas, abdicar de antigos maus hábitos e adquirirmos novos e promissores, não é um processo fácil e tampouco rápido, mas se é possível, por que não tentarmos? Afinal, toda concretização parte de um sonho e toda caminhada tem um ponto de partida. O caminho a seguir e até onde podemos chegar depende, principalmente, de nós mesmos.

Nardélio F. luz

2 comentários: