segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Decrepitude



Decrepitude

 

Ela dança como o vento, em suaves torvelinhos.

O rodopio da silhueta esguia dentro da veste leve

A realça entre os desfalecidos raios do sol poente

Que penetram as imensas janelas envidraçadas.

 

Nas cortinas em v de uma ventana semiaberta,

Posso divisar a brisa adentrando o amplo recinto,

Trazendo em si os suaves aromas de rosas e lírios.

Há muitos perfumes e cores no ar de setembro!

 

Recostado na carcomida poltrona de camurça,

Fecho os olhos na intenção de admirar o jardim

Que ela cultivara em seus tempos de esplendor,

Antes da ciência que esses lhe seriam furtados.

 

Uma vez mais é preciso cerrar os olhos fundos,

Para escorraçar as lágrimas furtivas e teimosas

Que, à minha revelia, pirraçam em embaçá-los.

Nem o lamento acata a vontade de um velho!

 

Embora contemple longos períodos de lucidez,

Já não tenho confiança nas minhas faculdades;

Somente os livros e uma severa formação cristã

Me fazem persistir nesta condição de semivivo.

 

Sem qualquer destreza me levanto do assento

E manquitolo até uma das janelas semiabertas.

Já há tempos não tenho criados para fechá-las,

Tampouco para cuidar da minha decrepitude.

 

A noite caiu e aperto os olhos para enxergar

Os arbustos escuros que um dia foram jardim;

O vestido leve se tornara uma negra mortalha

E da escuridão lá fora ela chama por mim.

 

As flamas das velas bruxuleiam no castiçal

E a bengala soa espectral ao tocar o assoalho.

Não existem cores nem alegrias na alcova fria,

Apenas os odores nauseosos de bolor e morte.

 

Novo acesso de tosse sacode minha carcaça,

Um pouco mais violento que seus antecessores.

As sombras se esgueiram acima do leito vazio

E uma vez mais me deito esperando por ela.

 

Nardélio Luz

110920


 

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