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Biluxa
Sentado
no velho tronco — cujo cerne secular servira de banco a várias gerações —
observei disfarçadamente o velho ao meu lado. A trêmula mão esquerda repleta de
calos segurava o prato — já quase sem esmalte devido aos inúmeros tombos —
enquanto a direita levava o garfo cheio à boca. Era estranho como ele abria
exageradamente a mandíbula, quase rasgando a pele fragilizada pela idade,
forçando ao máximo os sulcos queimados de sol. A barba de três ou quatro dias
acentuava ainda mais a decrepitude e, sem entender porque, meu coração se
enternecia a ponto de lágrimas quase brotarem dos meus olhos. Eu disfarçava e
pegava uma garfada do meu próprio prato, não era prudente demonstrar emoção
àqueles seres xucros ao redor, totalmente alheios aos meus sentimentos. Meu
coração se constringia com a mistura ádvena de amor e pena por aquela criatura
simples, que nada sabia da vida fora da fazenda e do arraial que morava à légua
e meia dali, mas dava aulas a qualquer mestre acadêmico na disciplina de “viver”.
Percurso de légua e meia, aliás, que fizera a pé de manhã e a tarde em pelo
menos 60 dos seus mais de 70 anos de vida calejada pelas intempéries. Diziam
que Biluxa era apelido, que ele tinha um nome, mas nunca houvera qualquer
documento que o provasse. Seus olhos tristes nunca tinham mirado uma cidade e
seus pés calejados jamais sentiram a maciez do couro de um sapato, mas aquilo
não o incomodava em absoluto, já que ali tinha tudo o que precisava para viver.
Com a angústia apertando inexplicavelmente minha garganta, larguei o prato pela
metade, a comida tinha esfriado. Ele colocou o dele — já vazio — de lado sobre
o tronco, sacou palha, canivete e um pequeno pedaço de fumo da algibeira. Sem fazer
ideia da minha admiração, aquele ser quase mítico intercalou as fedidas
baforadas com alguns dedos de prosa dirigidos a um ou outro dos companheiros,
sobre qualquer assunto que lhe vinha à telha grisalha. Era um anjo num oásis de
paz, livre do jugo religioso e de toda e qualquer degradação humana. Deve ter
subido direto para o céu, pois embora sábio na arte de viver, partiu deste
mundo quase tão inocente quanto chegou, e sem deixar qualquer desafeto.
Nardélio F. Luz
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Não sei qual categoria se enquadra... acredito que micro-conto... fato é que envolve o leitor pelo descrever instigante, preciso e astero (bem lapido sem mais nem menos)... Já sobe a ideia da Saga do Bituxa (opiniao pessoal... triste não seria por não ter conhecido a cidade. Achei que pelo contrario... lá, no mundinho dele vida "zen". O personagem que descreve introjeta suas noções de vida... e se Bituxa teria aberto a boca para relatar de seu mundo) Só opinião existencial. Tá de parabéns e continue lapidando. Estão cada vez mais precisos. Ah, e isso aí pelo blog... bem que cê falou q ia fazer.
ResponderExcluir"astero", não, austero. E interrogação depois de "de seu mundo".
ExcluirNão pensei em categoria, Elcio, só deu na telha e escrevi, sem qualquer pretenção. Mas acho que vc está certo, se encaixa em "micro-conto". O "triste por não conhecer a cidade" é devido a curiosidade que a maioria tem de conhecer aquilo que tanto ouve falar sem jamais ter visto, mas que em verdade nunca lhe fizera falta realmente, pois alí tinha tudo que precisava. Obrigado pelos elogios, Elcio, vindos de vc são sinceros, portanto enaltecedores. Abraços.
ResponderExcluirIsso. Margem para interpretar. Assim melhor. Inte.
ResponderExcluirIsso. Inté.
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