terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Morto



Morto


Aconteceu há muitos anos já,
Quando um homem errava, ali e lá,
Exercendo seu livre arbítrio.
Padecia a dor de um amor recente,
E em tal condição, carente,
Buscava um bálsamo, o alívio.
 
Deu-se num lugar encantado,
Berço de um povo educado,
Um oásis pulcro na natureza.
Tanto o povo que ali habitava,
Quanto o verde que a tudo abraçava,
Exalavam vida, luz e beleza.
 
Ali, várias amizades conquistou,
Superando as tantas que deixou,
Nas suas longínquas e difusas andanças.
Não obstante, um presente inusitado,
A mulher, bela amante, anjo adorado,
Dali a sempre senhora das suas lembranças.
 
A primeira paixão, “falecida”,
Lúgubre ilusão, logo esquecida;
E ali findavam insuportáveis dores.
A nova paixão fez-se presente,
Inebriando-lhe coração e mente,
O maior, o mais ingente dos amores.
 
O corpo, altar da deusa venerada,
O sexo, desvario, fêmea encantada,
A mais portentosa paixão.
A alma, nobre, pura divindade.
A mente, intelecto, sagacidade,
O cerne da admiração.
 
A vida seguiu seu rumo,
O homem, o amante, no prumo,
Dono das essenciais faculdades.
A mulher, amada e seleta,
Por anos prosseguiu reta,
Difundindo a felicidade. 
 
O homem, inquieto, errante,
Buscou obtuso, ignorante,
A fuga do enfadonho, da rotina.
Sucumbiu ao primeiro ensejo,
Comboiando errôneo desejo,
Principiando a própria ruína.
 
A amada, enfim, combalida,
Exposta às mazelas de tal vida,
Por outro se encantou.
O demônio disse ser destino,
Fosse ou não, desatino,
A sublime relação findou.
 
O homem, volvido na boemia,
Nem estranho, nem amigo ouvia,
Entregue à degradação.
Perambulou por horas tardias,
Decidido a findar seus dias,
Na madrugada, um estampido, solidão...
 
Onde a alma apodrece, não há tempo ou espaço,
Voa, rasteja, insensível à dor, sem embaraço;
Exceto o escárnio do demônio, nada há, então.
Ali o dia é negro, tornando a noite longa, perene,
Na insânia, o homem gargalha, o verme geme;
Na longínqua lembrança, negrume, desolação.
 
Se permitisse a luz, um vislumbre... Ah, doce “eva”!
À mui amada um breve “oi”, então de volta à treva,
Contudo, nada é lícito nesse limbo escuro, ignoto.
Hilário, no purgatório, embora eu nada pedisse,
O demônio, peremptório, certa vez me disse:
“Tu és esse homem, e, há tempos, jaz morto”.
 
Nardélio F. Luz
Uma noite qualquer de 2003


(Obra publicada na antologia internacional “Margens do Atlântico”, ed. Abrali)


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