Morto
Morto
Aconteceu há muitos anos já,
Quando um homem errava, ali e lá,
Exercendo seu livre arbítrio.
Padecia a dor de um amor recente,
E em tal condição, carente,
Buscava um bálsamo, o alívio.
Deu-se num lugar encantado,
Berço de um povo educado,
Um oásis pulcro na natureza.
Tanto o povo que ali habitava,
Quanto o verde que a tudo abraçava,
Exalavam vida, luz e beleza.
Ali, várias amizades conquistou,
Superando as tantas que deixou,
Nas suas longínquas e difusas andanças.
Não obstante, um presente inusitado,
A mulher, bela amante, anjo adorado,
Dali a sempre senhora das suas lembranças.
A primeira paixão, “falecida”,
Lúgubre ilusão, logo esquecida;
E ali findavam insuportáveis dores.
A nova paixão fez-se presente,
Inebriando-lhe coração e mente,
O maior, o mais ingente dos amores.
O corpo, altar da deusa venerada,
O sexo, desvario, fêmea encantada,
A mais portentosa paixão.
A alma, nobre, pura divindade.
A mente, intelecto, sagacidade,
O cerne da admiração.
A vida seguiu seu rumo,
O homem, o amante, no prumo,
Dono das essenciais faculdades.
A mulher, amada e seleta,
Por anos prosseguiu reta,
Difundindo a felicidade.
O homem, inquieto, errante,
Buscou obtuso, ignorante,
A fuga do enfadonho, da rotina.
Sucumbiu ao primeiro ensejo,
Comboiando errôneo desejo,
Principiando a própria ruína.
A amada, enfim, combalida,
Exposta às mazelas de tal vida,
Por outro se encantou.
O demônio disse ser destino,
Fosse ou não, desatino,
A sublime relação findou.
O homem, volvido na boemia,
Nem estranho, nem amigo ouvia,
Entregue à degradação.
Perambulou por horas tardias,
Decidido a findar seus dias,
Na madrugada, um estampido, solidão...
Onde a alma apodrece, não há tempo ou espaço,
Voa, rasteja, insensível à dor, sem embaraço;
Exceto o escárnio do demônio, nada há, então.
Ali o dia é negro, tornando a noite longa,
perene,
Na insânia, o homem gargalha, o verme geme;
Na longínqua lembrança, negrume, desolação.
Se permitisse a luz, um vislumbre... Ah, doce
“eva”!
À mui amada um breve “oi”, então de volta à
treva,
Contudo, nada é lícito nesse limbo escuro,
ignoto.
Hilário, no purgatório, embora eu nada
pedisse,
O demônio, peremptório, certa vez me disse:
“Tu és esse homem, e, há tempos, jaz morto”.
Nardélio F. Luz
Uma noite qualquer de 2003
(Obra publicada na antologia internacional
“Margens do Atlântico”, ed. Abrali)
Parabéns, poeta! Que arte! Que dom!
ResponderExcluirObrigado minha amiga! :)
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